terça-feira, 15 de março de 2011

“DECIFRA-ME OU TE DEVORO!”: O EU E O OUTRO ATRAVÉS DO MITO “ÉDIPO REI”


Obra de arte. É muito complicado para nós olharmos meia dúzia de rabiscos e identificar aquilo como Arte. Para o jovem, então, isto é mais complicado ainda. Vivemos numa sociedade que além de não discernir o que é Arte e o que é Entretenimento, ainda pensa que Arte é apenas aquela perfeita imitação da natureza, a mesma que os renascentistas realizavam. Ora, este conceito de Arte cai com a chegada da fotografia, capaz de reproduzir a natureza como ela é. Surgiram então  as vanguardas artísticas, que mudaram para sempre a maneira de pensar, ver e sentir arte.  Estes novos códigos, no entanto, não são tão populares e conhecidos como deveriam ser. Utilizados de forma superficial e distorcida, fizeram do conhecimento artístico uma inversão de valores, tal qual a TV holandesa que pegou o termo ‘big brother’ – que, no universo de George Orwell, é uma ferramenta assustadora em “1984” – e a transformou num programa popular com função Panis et circenses.
Preocupados com isto, nosso desafio foi atingir os jovens com estas obras de arte e fazê-los compreendê-las em seu tempo e espaço de criação. Diante disto, Alexandre D’Lou nos muniu com fotos do catálogo da Pinacoteca – vinte e uma imagens no total, valendo ao menos uns quatrocentos anos de arte brasileira. O interessante destes catálogos:  de um lado tem-se a imagem num padrão considerável (30x40 aproximadamente) e, no verso, um resumo da vida do artista, período histórico, motivo e consequências do trabalho artístico.
Nosso ponto de partida foi a primeira impressão: os jovens olharam os quadros e fizeram uma leitura branca – como dizemos no teatro – sem compromisso: o que eu vejo e do que eu gosto – ou não gosto – nisto aqui. De gosto pessoal em mãos, eles deliciaram as obras, gostando ou não deste objeto desconhecido.
Após esta primeira observação branca. Mergulhamos no mito de Édipo Rei, focando principalmente em seu terrível encontro com a Esfinge. “Decifra-me ou te Devoro!” (frase escrita na lousa anteriormente) torna-se ameaçador, como uma obra de arte que desconhecemos. Alguns, graças ao Harry Potter, conhecem a lenda e respondem a questão da Esfinge: “Qual o animal que, de manhã, anda com quatro patas; à tarde, com duas e, à noite, com três?”.  “O Homem, o ser humano”, eles dizem. Sim, estão certos. Mas há algo sobre o mito que pouca gente sabe: numa certa versão, Édipo não responde com palavras: apenas aponta para si mesmo. É como a gente que, diante de uma obra de arte, procuramos, em primeiro momento, a nós mesmo ali. De qualquer forma, a Esfinge se mata e Édipo, libertador de Tebas, casa-se com Jocasta, para descobrir, após anos, que casara com a mãe, matara o pai e cumpria uma profecia ditada pelo Oráculo de Delfos desde seu nascimento. Será que quando apontou o dedo para si mesmo ao responder a Esfinge, não estava vendo apenas a si mesmo?
Diante desta questão, sugerimos que o jovem procure não a si mesmo na obra de arte, mas ao outro. E, para encontrar o outro , temos que visitar seu tempo e espaço para tentar compreendê-lo dentro de seus motivos artísticos, de sua sociedade. E isto nós fazemos: eles viraram as imagens e leram os textos que conceituam o trabalho para o qual olharam às cegas e encontraram apenas a si mesmos.
Comentaram as obras após a leitura. Em grupos, criaram seus próprios trabalhos. Foi uma manhã e uma tarde excepcionais, onde eles deram alguns passos dentro do território das Artes. Se gostaram do que viram? Quem sabe – E o que importa? Mais do que estabelecer “bom gosto” ou  “cultuar” seja o que for, estamos interessados em estimular seres pensantes, que enxerguem a si próprios sem perder o outro de foco. Os resultados dizem que a experiência foi bem sucedida.      

Um comentário:

  1. Gostei muito da proposta de discutir com os jovens a questão do "EU" e do "OUTRO" através da arte.
    A arte como abertura para o encontro com o EU e a descoberta do OUTRO que se dá nesse encontro.

    Fiquei curioso em saber as impressões dos jovens sobre a atividade e também em ver as produções.
    Quando possível publique-as.

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